Gravação de Consultas por Pacientes: O Que Dizem as Leis e os Conselhos de Medicina

 

Introdução

A harmonização facial, corporal e, especialmente, a harmonização orofacial têm ganhado cada vez mais destaque no mercado estético brasileiro. Com o aumento da procura por esses procedimentos, cresce também a necessidade de os profissionais se protegerem juridicamente, estabelecendo uma relação clara, transparente e segura com seus pacientes.

No caso específico da harmonização orofacial, é importante destacar que, conforme a Resolução CFO 198/2019 do Conselho Federal de Odontologia, esta é reconhecida como uma especialidade odontológica, sendo os cirurgiões-dentistas os únicos profissionais que possuem uma especialidade regulamentada nesse sentido. Essa exclusividade traz não apenas prestígio, mas também responsabilidades específicas que precisam ser observadas.

 

A Especialidade de Harmonização Orofacial (HOF) na Odontologia

A Resolução CFO 198/2019 estabeleceu a harmonização orofacial como especialidade odontológica, reconhecendo a competência dos cirurgiões-dentistas para realizar procedimentos não cirúrgicos que visam a harmonização da face, incluindo:

  • Aplicação de toxina botulínica
  • Preenchimentos faciais
  • Bichectomia
  • Lipoplastia facial
  • Rinomodelação
  • Entre outros procedimentos estéticos faciais

Esta regulamentação trouxe maior segurança jurídica para os profissionais da odontologia, mas também aumentou a responsabilidade sobre os resultados e a necessidade de documentação adequada de todos os procedimentos realizados.

 

Assessoria Jurídica Preventiva: Protegendo o Profissional e o Paciente

A assessoria jurídica preventiva é fundamental para profissionais que atuam na área da harmonização. Mais do que resolver problemas, o objetivo é evitar que eles ocorram, através da implementação de protocolos e documentos que garantam a segurança jurídica da relação profissional-paciente.

Documentação Essencial para Atendimento

1. Ficha de Anamnese Completa

A ficha de anamnese deve ser detalhada e estar em conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD – Lei nº 13.709/2018). Ela deve conter:

  • Histórico médico completo do paciente
  • Medicamentos em uso
  • Alergias e reações adversas anteriores
  • Procedimentos estéticos já realizados
  • Expectativas do paciente quanto ao tratamento

É fundamental que o paciente assine esta ficha, confirmando a veracidade das informações prestadas. Além disso, o profissional deve incluir uma cláusula específica sobre o consentimento para tratamento dos dados pessoais, explicando a finalidade da coleta dessas informações.

 

2. Plano de Tratamento e Orçamento

O plano de tratamento deve ser detalhado, contendo:

  • Procedimentos a serem realizados
  • Número de sessões previstas
  • Resultados esperados (com ressalvas quanto à variabilidade individual)
  • Orçamento completo, discriminando valores de cada procedimento
  • Formas de pagamento e política de reembolso

Este documento deve ser assinado pelo paciente antes do início do tratamento, comprovando que ele está ciente e de acordo com o plano proposto.

 

3. Contrato de Prestação de Serviços

O contrato deve estabelecer claramente:

  • Obrigações do profissional
  • Obrigações do paciente
  • Prazos para execução dos procedimentos
  • Política de remarcação e cancelamento
  • Cláusulas sobre intercorrências e complicações
  • Política de garantia dos procedimentos
  • Foro para resolução de eventuais conflitos

Um contrato bem elaborado é a principal ferramenta de proteção jurídica do profissional, pois estabelece as regras da relação de forma inequívoca.

 

4. Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)

É imprescindível que cada procedimento tenha seu próprio TCLE, contendo:

  • Descrição detalhada do procedimento
  • Benefícios esperados
  • Riscos e possíveis complicações
  • Cuidados pós-procedimento
  • Alternativas de tratamento
  • Esclarecimento sobre a possibilidade de resultados diferentes do esperado

O TCLE protege o profissional ao comprovar que o paciente foi devidamente informado sobre todos os aspectos do procedimento e concordou com sua realização.

 

5. Termo de Uso de Imagem

Para utilização de imagens do paciente em redes sociais, apresentações ou material publicitário, é necessário um termo específico que autorize:

  • Quais imagens podem ser utilizadas
  • Em quais canais de comunicação
  • Por quanto tempo
  • Se o paciente deseja ou não ter sua identidade preservada

Este termo deve ser renovado periodicamente e o paciente deve ter o direito de revogar a autorização a qualquer momento.

 

6. Termo de Finalização e Satisfação

Ao término do tratamento, é recomendável que o paciente assine um termo declarando:

  • Que o tratamento foi concluído
  • Seu nível de satisfação com os resultados
  • Que recebeu todas as orientações para manutenção dos resultados

Este documento é fundamental para encerrar formalmente a relação profissional-paciente para aquele tratamento específico.

 

Situações Especiais que Exigem Documentação Adicional

1. Atendimento a Pacientes Insatisfeitos com Outros Profissionais

Quando um profissional recebe um paciente insatisfeito com procedimentos realizados por outro profissional, é essencial elaborar um termo específico que:

  • Documente o estado atual do paciente (com fotografias)
  • Esclareça que o profissional atual não tem responsabilidade pelos procedimentos anteriores
  • Informe sobre as limitações para correção dos problemas existentes
  • Estabeleça expectativas realistas sobre os resultados possíveis

Este termo protege o profissional de assumir responsabilidade por problemas causados anteriormente e delimita claramente o escopo de sua atuação.

 

2. Abandono ou Interrupção do Tratamento pelo Paciente

Quando o paciente abandona ou interrompe o tratamento, o profissional deve:

  • Notificar formalmente o paciente sobre os riscos da interrupção
  • Documentar a situação em prontuário
  • Solicitar que o paciente assine um termo de responsabilidade pela interrupção
  • Se o paciente se recusar a assinar, enviar uma notificação extrajudicial

Esta documentação é crucial para comprovar que o profissional não foi negligente e que os possíveis resultados insatisfatórios decorreram da não adesão do paciente ao tratamento proposto.

 

3. Renúncia ao Atendimento pelo Profissional

Em situações extremas, como falta de cooperação do paciente, desrespeito ao profissional ou à equipe, o profissional pode optar por renunciar ao atendimento. Neste caso, deve:

  • Comunicar formalmente sua decisão ao paciente
  • Justificar os motivos da renúncia
  • Disponibilizar-se para atendimento de urgência por um período razoável (15 a 30 dias)
  • Indicar outros profissionais que possam dar continuidade ao tratamento
  • Fornecer cópia do prontuário ao paciente

A renúncia deve ser formalizada por escrito e, preferencialmente, com comprovante de recebimento pelo paciente.

 

4. Devolução de Valores

Caso seja necessário devolver valores ao paciente (por insatisfação, impossibilidade de continuar o tratamento etc.), é imprescindível elaborar um termo de devolução que:

  • Especifique o valor devolvido
  • Esclareça os motivos da devolução
  • Contenha cláusula de quitação plena, geral e irrevogável
  • Estabeleça que, com o recebimento do valor, o paciente não terá mais nada a reclamar

Este documento evita que, mesmo após a devolução, o paciente ingresse com ações judiciais pleiteando danos morais ou materiais adicionais.

 

Proteção de Dados e LGPD na Prática Clínica

A Lei Geral de Proteção de Dados trouxe novas obrigações para os profissionais de saúde. Na prática da harmonização, é necessário:

  • Obter consentimento específico para coleta e tratamento de dados pessoais
  • Implementar medidas de segurança para proteger os dados dos pacientes
  • Estabelecer política clara sobre armazenamento e descarte de dados
  • Informar ao paciente sobre seus direitos em relação aos dados pessoais

O não cumprimento da LGPD pode resultar em multas significativas, além de danos à reputação do profissional.

 

Conclusão

A segurança jurídica é um pilar fundamental para os profissionais que atuam na área da harmonização facial, corporal e orofacial. Mais do que uma proteção contra processos, a documentação adequada estabelece uma relação de confiança e transparência com o paciente, contribuindo para o sucesso do tratamento e a satisfação de ambas as partes.

Investir em assessoria jurídica preventiva e na elaboração de documentos adequados não é apenas uma medida de proteção, mas um diferencial competitivo que demonstra profissionalismo e compromisso com a excelência no atendimento.

Recomenda-se que todos os profissionais da área busquem orientação jurídica especializada para adequar sua prática às exigências legais e às particularidades de cada caso, garantindo assim tranquilidade para exercer sua profissão com segurança e foco no bem-estar de seus pacientes.

Fernanda Azanha T. N. Angotti
OAB/SP 298.096

Este artigo tem caráter informativo e não substitui a consulta a um advogado especializado em Direito Médico, Odontológico e da Saúde para orientações específicas sobre sua prática profissional.